terça-feira, 23 de outubro de 2007

Bruno e as guitarras psicodélicas

Tarde de sol, brisa levemente rápida e a ordem social seguindo seu paradigma. Bruno sentou-se no banco da praça, tomou mais um gole de cerveja olhando algum desses músicos de rua, que vivem de esmolas e simpatia. Suspirou algum hunf qualquer e tomou outro gole, agora focando seus pensamentos nas arquiteturas dos prédios em volta da praça.

Bruno era um desses jovens que não existem. Seus sonhos não são daqui e seu modo de ser tampouco. Algumas almas nascem assim, perdidas na linha do tempo sem saber ao certo para que lado ir. Provavelmente pegarão qualquer caminho pela frente, seja ele a solidão, o auto-equilíbrio ou a autodestruição. Bruno por enquanto estava no primeiro, mais por força de hábito que por escolha. Terminou a cerveja sem pressa, sentado no banco velho e duro que o acomodava.

Levantou-se preguiçosamente e com as mãos no bolso seguiu seu caminho. Guitarras psicodélicas embalavam seu sonho tão perdido no tempo. Um jeans, uma guitarra e uns amigos que topassem a estrada... e o mundo não seria mais o mesmo... poeira ao vento! Cores vibrantes e alegria... só o cinza existia. Deixa pra lá...

Aquilo que vem de dentro, dizem, não é possível prever. Para Bruno era mais uma verdade crua para carregar. Nunca sabia. Qualquer hora era hora, mesmo nas mais estranhas possíveis. Como no aniversário de sua irmã; na tarde que Andréia não apareceu e levou consigo seu coração; ou então, rindo com seu velho amigo Davi numa tarde qualquer, dessas que a gente nunca lembra... até lembrar. Vai ver é assim mesmo... afinal o que mais ouve das pessoas é “a vida é assim mesmo, fazer oquê?”.

Os passos arrastavam seus pés... e tudo passava como num desses filmes antigos, onde o centro está imóvel e a imagem de fundo fica em movimento. Cult! Poderia até ser... e talvez seja. Mas para Bruno pouco importa a analise do conteúdo poético de seu filme. Importava para ele aquela poesia esquecida nos confins de uma existência tão pouco emotiva, onde mais vale por gasolina no tanque que rabiscar um sonho humanitário. Mais uma voz... ecoando num folhetim anarquista qualquer...

domingo, 2 de setembro de 2007

Imenso

Fazia três semanas que não chovia. Dirceu sentou-se na porta de sua casa. O imenso diante de seus olhos. O velho imenso. O vento sopra quente e seco. Céu azul, nehuma núvem. Dirceu tem sede. Mas precisa economizar água. Seus filhos ainda não chegaram da escola e eles teriam mais sede que ele. Afinal eram longos 8 quilômetros da escola até sua casa. Passou a mão na barba. Lembrou-se de como Helena gostava de sua barba. Olhou para o céu.

- Estou fazendo o que posso meu amor... Tião está cada dia mais inteligente. Ele tenta me explicar coisas que não consigo entender. Já o pequeno João está determinado, quer me ajudar em tudo, as vezes preciso brigar com ele para que ele estude. Teimoso como você...

Dirceu deteve as lágrimas. Respirou fundo. Homem não chora, dizia seu pai. Com muito esforço controlou o peito que insistia em explodir. Olhou novamente o imenso diante de seus olhos. Pó. Catinga. Pó. Tantos anos... mãos calejadas. A cara enrrugada de tanto sol, parecendo uma massa de barro seco. A velha casa, que já nasceu velha e desgastada. O terço na parede, sobre a cama, onde Helena sempre deixava. Maldito peito que queria explodir.

- Tião será doutor. Um doutor e tanto. Ô menino inteligente!

Tirou o chinelo. De pés descalços... como nos velhos tempos. Podia sentir Helena do seu lado escovando os cabelos e reclamando da vida. Daquele modo que só ela fazia. Homem não chora, dizia seu pai. Estava ficando cada vez mais difícil obedecer seu pai. Logo os meninos chegariam. João iria querer ajudar Dirceu em qualquer coisa e Tião falaria tudo aquilo que Dirceu jamais conheceu. Ele podia sentir Helena.

Faltava ar, o peito queria explodir.... talvez fosse hora de desobedecer seu pai...

domingo, 29 de julho de 2007

O olhar

O gotejar da chuva e o vento frio emudeciam qualquer sinal de calor. Pouco sinal de vida ao redor. A estrada encharcada, a lama sob seus pés... a névoa à erguer-se por entre os pinheiros. Olhou a cabana atentamente. Olhou a chuva caindo... o desenho das poças. Afinal estava ali. Passos enterrados na lama e a carruagem para trás.

A cabena velha, quase que como o rascunho dela mesma. Madeira escura, sem vida em si. Adentrou a varanda. Bateu à porta. Silêncio. Bateu novamente. A porta abre. Aquele velho rosto finta-o. Retira o cachimbo da boca e exclama:

- Estás molhado rapaz!
- Assim parece - respondeu de forma suave.
- Entre, entre! Chegue até mais perto de minha lareira enquanto lhe trago uma boa xícara de café com conhaque.
- Obrigado senhor.

Tirou o pesado sobre-tudo. Caminhou para perto da lareira ainda pensando no papel que trazia em seu bolso. Podia sentir o cheiro de sangue... o pulsar.

- Sente-se, não fiquer em pé... aqui está o café...
- Tu sabes porq...
- Não diga nada meu jovem... os olhos podem ser velhos, mas isso não siginifica que não sei observar... apenas sente-se e tome o café... deixe que minha lareira aqueça-o.

Ficou sem palavras, apenas acenou afirmativamente com a cabeça. Sentou-se. O café lhe trazia calor. Ainda preocupava-se.

- Ontem avistei uma matilha de lobos, à dez metros daqui, belíssimos animais. Você já viu um lobo cara a cara, meu jovem?
- Não, nunca senhor.
- Haa... é uma sensação incrível... quando ele lhe fita os olhos com toda a sua frieza canina... quando deixa claro que ele pode matar você quando o quiser.
- Não sei se gostaria de tal experiência...
- Estranho...
- O que?
- Nada... é apenas estranho quando se é velho. Os olhos vêem bem mais do que você imagina.
- Hum... - tocando o papel no bolso.
- Não tenha pressa meu jovem. Tivestes uma dura viagem até aqui e o tempo não está bom. Chame teu cocheiro até aqui que prepararei um jantar.
- Mas senhor, creio que isso não seja devido...
- Creio que não tens escolha... vou preparar o fogão.

Pensou por alguns instantes. O velho tinha razão, com o tempo como estava, não teria como viajar. Resolveu chamar o cocheiro, que adentrou na cabana com um certo receio.

- Tudo bem senhor cocheiro, - disse o velho - és bem vindo em minha humilde casa.
- Obrigado senhor.
- A sopa logo estará pronta.
- Sua cabana está bem conservada senhor - continua o cocheiro.
- Hahaha - ri o velho - deverias aprender a mentir. Hahaha.
- Desculpe...
- Não, tudo bem... não fizestes por mal, assim como também não o fiz... pegue essa caneca de café e conhaque.
- Obrigado!

Continuou impaciente. Aquele papel... o sangue jorrava em sua narinas. Estava ficando difícil lidar com aquele encômodo. Enquanto o velho e o cocheiro conversavam ele apenas ficava em silêncio. Como podia? Aquele senhor estar tão amigável e controlado perante à situação. Servir uma janta e oferecer calor? Seus ombros pesavam.

A sopa foi servida acompanhada de pão e vinho. Mesmo relutante, ele começou a conversar de pouco em pouco, até que ao final do jantar, os três já conversavam normalmente. Algumas horas passam e o tempo não melhora.

- Droga, acho que não poderemos viajar hoje senhor - reclama o cocheiro.
- É o que parece...
- Tudo bem, tenho como abriga-los por essa noite. - emenda o velho.
- Obrigado.

Não tardaram a dormir. Ao menos o velho e o cocheiro. Ele, ao contrário sentia dificuldades em dormir... o encômodo voltara, vazia-o revirar-se. Um peso em sua alma... e o maldito cheiro de sangue... teve momentos difíceis, mas por fim acabou adormecendo.

Uma manhã fria os desperta. Rapidamente após o desjejum, servido com a abundância possível, os hóspedes preparam a partida. O cocheiro despede-se do velho com gratidão e prepara a carruagem, ficando o velho e o jovem sozinhos por um instante. Após uma breve fraqueza, o jovem tira, enfim, o papel do bolso, esticando o braço até o velho.

- Isto realmente é necessário? - pergunta o velho, sem pegar o papel.
- Sim senhor... terminemos isso.

O velho pega o papel com o símbolo do governo impresso. Abre-o. Lê-o. Volta a fecha-lo.

- Sinto muito pelos seus filhos... - educadamente fala o jovem.

O velho segura os ombros do jovem e sem falar nada olha para seus olhos de forma penetrante. Ao olhar para os olhos do velho, ele congela... um pavor começa a tomar conta de seu corpo. O frio olhar do velho deixava claro que este poderia mata-lo se assim o quisesse. Sentia aquele olhar fundo em sua alma... o velho por fim soltou-o.

- Tenha uma boa viagem, meu jovem - adentrando-se na cabana.

Tentou recuperar a respiração... afastando-se da cabana. O ar gélido. Os pinheiros. Ele ainda zonzo. Precisava recuperar-se... ainda teria de entregar muitos papéis.

domingo, 1 de julho de 2007

Interlúdio I

Acariciou lentamente o cabelo de Anna. Deitou-se ao seu lado. Olhou para o céu. Anna abriga-se perto de Mateus, beijando suavemente seu rosto.... olhou pra o céu.

- Sinto uma agonia em mim.... - inicia Mateus
- Eu sei.
- Isso passa?
- Creio que não...
- Quanto tempo?
- Uns 3 meses, não mais.
- O céu está calmo hoje...

Anna beija Mateus abraçando-o com força. Este é o momento, a brisa quente antes da chuva. Céu calmo, azul, límpido... este é o momento. O tempo deveria ser paralizado; e eles ficarem ali pela eternidade, abraçados, colados, unidos.

- Que assim seja! - termina Mateus.

Tudo passa

Amanhece mais uma vez... mais uma vez o mesmo rastro de lembranças deixadas para trás... junto com a promessa de um refúgio... violão, voz... fumaça de cigarros... madrugando morrendo... amanheceu mais uma vez...

Manhã fria... olheira... tremor inquieto de um corpo com calafrios e uma mente desperta. Sombras, meras sombras, nada mais... saudades.... olheiras... violão, voz... mais um cigarro... Tudo passa, então passajm as horas, madrugada morrendo e amanhece mais uma vez.

Outra vez o sonho ecoa lá no fundo... junto com todas as personalidades peregrinas que vagam pelas bordas de um ser.... deitar talvez seja o destino... fechar os olhos... passam as horas, tudo passa.

Saudade do nada.... amanheceu mais uma vez....

quarta-feira, 2 de maio de 2007

A trégua

Valdir pegou lentamente Luane no colo, e com todo o carinho lhe abrigou em seu peito. A menina estava quieta, como de costume. Eram duas da manhã... Valdir estava cansado, havia trabalhado duro, mas, nessa hora, pouco importava. Acariciou os cabelos da menina, beijando sua cabeça logo em seguida. Olhou para o quarto... dois anos. A vida se constrói de momentos rápidos... quando vemos já passou. A primeira semana, ainda em sua memória. As noites em claro, os choros... tudo ainda estva fresco em sua memória. O olhar cansado de Tereza, as olheiras... os sorrisos e todas aquelas coisas estúpidas que os adultos fazem perto de uma criança... como poderiam ser tão idiotas? Imaginou Luane vendo tudo e riu... constatando a breguice de ser pai.

Tereza dormia... Valdir fazia questão de deixa-la dormir. Gostava de cuidar da filha... pega-la no colo como agora, segurar sua mãozinha, ficar assim, em silêncio, deixando os gestos falarem por si. O silêncio era algo hipnótico nessas horas... meros segundos, minutos, passando como se fossem horas de descanso acordado. Luane, segurava a mão de Valdir e encostava-se em seu peito. Apenas o som da respiração e dos sons ambientes... nada mais... uma trégua em meio ao caos civilizatório... uma tregua em meio à loucura ao qual chamamos vida...

Valdir sabia. E imaginava que Luane sabia também...

Reflexo na água

Havia tempos que tudo estava tão estranho. Olhar seu reflexo na água já não era a mesma coisa. Poderia parecer monótono aos olhos estranhos, mas não para ele. Qualquer lágrima não é vã, já dizem os sábios, mas até onde a sabedoria é paradoxal? Reflexo na água e uma certeza... Riu em sintônia com sua ironia, desejando uma luz na água. Passou as mãos em seu cabelo, desenhou figuras imaginárias na água por sobre seu rosto, distorcendo toda a imagem. Olhou para o céu, mar azul por sobre seus olhos. Desenhou novamente, distorcendo sua imagem imaginaria refletida no céu. As folhas ceam... outono.

Conversava consigo mesmo, uma conversa íntima, mas formal. Fria, mas humana. Olhando as folhas caírem na água tinha certeza... Riu em sintônia com sua ironia. O sorriso maroto agora brotava em seu rosto enquanto ainda ouvia sua própria voz lhe soprando ao ouvido. Olhos fechados, quietude... calor solar na face... reflexo na água e uma certeza...

As folhas caem... outono...

terça-feira, 27 de março de 2007

Carlos

Magda caminhava angustiada, não era a primeira vez que a chamavam ao colégio de seu filho. Ela fazia idéia... não, ela tinha certeza do que era. "Por que Carlos? Meu pobre filho..." Qualquer que seja o motivo, ela não o via. Carlos... como ele era especial para ela. O filho lindo... como ela poderia imaginar que ocorreria isso com ele? Todas as outras crianças normais... mas Carlos...

Deteve as lágrimas. Entrou no colégio e tomou a direção da secretaria. Poucas frases depois e ela já estava esperando pela diretora. Angústia. Medo. Não era justo... o seu filho... seu lindo filhinho. Apertava as mãos... tinha raiva... mas não devia demonstrar. A diretora entra.

- Boa tarde... - disse a diretora - desculpe faze-la esperar. Desejas uma água ou um café?
- Não obrigada. O que aconteceu?
- Seu filho... continua causando problemas e sinto ter de dar uma suspensão à ele...
- Suspensão? Mas... ó Deus, Carlos...
- Diga-me Magda, ele não demosntra nada em casa?
- Sim, mas já estou tratando ele com médicos renomados, estou fazendo tudo que está ao meu alcance, sempre falo com ele...
- Ele tem contagiado as outras crinças! Os pais estão alarmados, exigem que seu filho seja expulso e eu não quero tomar essa decisão, mas se ele continuar a falar em sonhos com as outras crianças...
- Eu sei... sempre digo para ele esquecer essa coisa de sonhos.
- O que os médicos dizem?
- Eles não sabem dizer porque meu filho sonha... dizem ser um caso muito raro.
- Entendo. Desejo que seu filho melhore logo, pare de sonhar e possa ter uma vida normal com as outras pessoas.
- É o que eu mais quero Senhora Weiss.
- Eu sinto muito... mas você sabe como é difícil para mim. Se Eles ficarem sabendo da persistência de Carlos...
- Nem me diga uma coisa dessas... Farei de tudo para que meu filho não pertube Eles...
- Certo. É melhor levar seu filho para casa. Ele está na sala ao lado. Tenha uma boa tarde.
- Boa tarde e obrigada.

Magda entra na sala ao lado e vê Carlos sentadinho lendo um gibi. Lágrimas vieram aos seu olhos. Seu filho querido... parecia normal, olhando assim, ninguém poderia dizer que ele sonha. Secou as lágrimas com os dedos e chamou o filho que lhe recebeu com alegria. De mãos dadas foram saindo, Magda sem falar nada, segurando as lágrimas. Seu filho iria se curar, iria deixar de sonhar e se transformar em uma pessoa normal. Ela fará de tudo para que isso aconteça... Carlos será muito feliz... muito feliz...

segunda-feira, 19 de março de 2007

Vinho tinto e solidão

Sozinho existo, por existir..... por insistir....
Toda a noite, toda a vida.... solidão....

Carrego comigo as marcas.... de amores não vividos
De suspiros desesperados de paixão....
Em meio as sombras busco refúgio,
Das dores atrozes em meu coração

O que me resta? Um sonho?
Uma vontade ardente de ser amado?
Ou apenas uma vergonha....
Vergonha de ser tão errado....

O vento traz consigo o frio
Que penetra, corta minha alma
Envolto em minha depressão
Eu busco.... com muita fé

O amor de minha amada....

Ecos

"O homem é menos ele mesmo quando fala na sua própria pessoa. Dê-lhe uma máscara e ele dirá a verdade" Oscar Wilde (1854 - 1900 * escritor irlandês)

"O presente não existe; é um ponto entre a ilusão e a saudade" Lorenç Villalonga (1887 - 1980 * escritor espanhol)

"É comum que novas verdades comecem como heresias e terminem como superstições" Thomas Henry Huxley (1825 - 1895 * naturalista inglês)

"A terra produz o suficiente para satisfazer as necessidades de todos; porém, não a cobiça de todos" Mahatma Gandhi (líder espiritual indiano)

(...)

Gostaria de ter um pouco mais de certeza sobre as coisas... o tempo tem passado tão rápido ultimamente, que nem mais percebo minha vida... estudos e pensamentos se cruzam de forma tão precisa, que não deixam muito espaço para algo diferente e excitante. Dói saber que meu espírito está perdido... não saber quem sou... aonde vou... para que vou... não sei... talvez isso tudo não seja nada... apenas algumas letras jogadas nessa folha morta... em busca de refugio, uma fuga... sem saber do que fujo... um escrever por escrever... uma tentativa de não sentir-se só... de não sentir-se morto...

Breve momento de novidade antiga

Dor de cabeça... Silvio sabia o que era, mas não tinha ânimo para solucionar o problema. Respirou fundo, tomou mais um gole de café... olhou rapidamente a seção política do jornal... mesma trama. Habituava-se a esse destino engessado e tedioso do mundo moderno. Diploma, emprego, carro, mulher, casamento, apartamento, filhos, aposentadoria.... morte. Poderia haver uma pequena modulação nisso tudo... um divórcio... mas a base é sempre a mesma.

Levantou-se, terminou o café... deixou as moedas na mesa... mãos no bolso, cara fechada, passos vagos e a certeza que amanhã tudo será igual... igual...

domingo, 18 de março de 2007

(...)

O início dos tempos, talvez seja uma forma estranha de pensar no fim dos tempos, quando tudo pode ser aquilo que não foi e vice-versa. Caso raro de uma situação et eternum que vacila nas contradições do ego, da fé e da razão. Hunf... pensar é algo trágico e prazeroso ao mesmo tempo! Talvez eu precise de mais café... mais café...

Reflexus

"Saber dizer algo,
saber ouvir algo,
desconcentrar o inconsciente
banir o ego estridente
cair em si...
sem mais..."

sábado, 17 de março de 2007

Já passam das duas.

“Já passam das duas, e ela ainda não abriu a porta... está ficando frio e ela ainda não abriu a porta. Será que ela não me ouviu chamar? Claro que ouviu... e esse frio... se ao menos tudo parasse de girar... Ela ainda não abriu a porta. Cansou de ajuntar-me pelas esquinas, cansou de ter problemas... está ficando frio, e ela ainda não abriu a porta... Por que machuco alguém que amo tanto? Por que sou um verme? Se ao menos eu pudesse voltar ao bar, mas minhas pernas... Por que diabos pensar em bar agora? Não basta o que você já fez a ela? Está ficando frio... e ela ainda não abriu a porta. Se eu pudesse sentir o calor dela, o cheiro dela... mas eu sou um verme maldito... quanto já fiz ela chorar. Ela deve estar chorando agora, maldito... veja só o que você faz a pessoa que você ama! Eu não passo de um verme... como posso querer o amor de alguém? Brrr, tão frio... e as estrelas giram... e essa calçada áspera... o pó... e ela ainda não abriu a porta.

Tudo tão quieto, será que estou vivo? É claro que estou vivo, não queira fugir agora seu maldito... está vivo o bastante para perceber que só machuca ela, para perceber que joga tudo fora... por causa da bebida e dos rabos de saia... tão frio... tão frio... tão quieto... e eu aqui na calçada... junto à sujeira, sim este é o meu lugar... no chão, rastejando como um verme, nem assim para pagar tudo que fiz à ela... ò ela é tão bonita, tão especial... por que ela não abre a porta? Ao menos dessa vez... pare, não chore... não chore... tarde demais, minhas lágrimas já congelam em meu rosto... tão frio... ela ainda não abriu a porta, luzes apagadas... tudo tão quieto... ei, acho que tenho um cigarro, isso vai me esquentar um pouco... sim... cof cof... a tosse é um sinal que ainda estou vivo... aliás, você disse à ela que pararia de fumar... mas está tão frio... ò Deus, sou um fracasso!

Tudo gira... apenas consigo ver a luz dos carros que passam e nada mais... como posso ficar assim? Tão bêbado que não consigo mover-me... ao menos posso acender outro cigarro... gostaria de olhar para a lua... mas tudo gira... não consigo ver nada, só sei que ela ainda não abriu a porta... minha doce menina... a única coisa que vale a pena nesse mundo decadente... se soubesse o quanto lhe amo... mas sou um fracasso... minha alma é suja... por que me deste a honra de teus braços? Por que perdeste tanto tempo comigo? Eu não mereço nada... ó Deus, destruí todos os teus sonhos... consumi teu riso como este cigarro que morre em minha boca....

Todas as vezes que me defendeste perante tua família... e eu aqui.... nesta calçada, bêbado, com o perfume barato de cada vadia que pude encontrar... tão frio... tão frio e tu não abres a porta, não aparece com teu sorriso e me diz que está tudo bem... sou um fracasso, um verme maldito... fuja de mim... não me deixe destruir sua vida assim como destruí a minha.... tão frio... este é o meu lugar. Esta calçada áspera e suja é o que mereço... luzes apagadas... você não abriu a porta... deixe-me acender outro cigarro... tudo gira... não consigo mover-me... tudo gira... luzes apagadas... porta fechada, carros que passam, tão frio... lembra de quando você conheceu ela? Era para tudo ser diferente... tudo que disse para ela... ó menina... eu realmente te amo... eu realmente te amo! Mas minha alma é tão suja... cof cof... cof cof...cof cof...

Não consigo para de tremer... está tão frio... meus cigarros acabaram... cof cof cof cof cof... tudo gira... está tão frio... e ela ainda não abriu a porta...”

Reflexus

"Silêncio que incomoda,
suspiros que intercalam,
o tempo apenas reflete
e minha alma adormece

É apenas banal o momento,
caminhar durante a noite,
abrir os olhos ao amanhecer,
tomar um café...
deixar o tempo esquecer..."

Quando objetivos se cruzam em via rápida

Passou a mão na barba. Olhou para a paisagem que conhecia como a palma de sua mão. Trinta anos... tão rápidos. O outro homem continuava dirigindo com seu cigarro inclinado na boca, quase caindo... baforando de quando em quando. Enfim, resgatou o cigarro com os dedos e olhou para o passageiro, falando:
- Deixou tudo pronto?
- Hã - um pouco abrsorvido em si mesmo - sim, deixei sim...
- Que bom... espero que não tenha esquecido nada... geralemente as pessoas esquecem...
- Dobre à esquerda aqui...
O carro sacode um pouco ao entrar na estrada de terra. O resto da viagem foi quieta, nenhum dos homens falou. Imperava uma sensação de tranquilidade. O sol estava se pondo dando ao céu um tom avermelhado. O gado começava a se recolher. O canto dos passáros como uma despedida.
Depois de cerca de meia-hora, enfim chegaram. O passageio é o primeiro a descer... caminha alguns passos, abre os braços e respira fundo. O motorista apenas acende mais um cigarro enquanto pega as coisas. O passageiro diz:
- Existem coisas inimagináveis escondidas nisso tudo. É humilhante ser um humano e não ter tempo de compreender.
- Talvez nós não devamos compreender... - respondeu o motorista.
- Tens filhos?
- Sim, dois meninos.
- Passa tempo com eles?
- Quando não estou trabalhando, sim...
- Eu amo meus filhos... mas talvez nunca tenha demonstrado isso...
- Acredite, nós nunca demonstramos o suficiente...
Sentaram-se, abriram o vinho e começaram a tomar lentamente em silêncio. Olhavam a paisagem em volta, como que num ato místico. Não falaram nada. Terminaram o vinho.
- Está pronto? - perguntou o motorista.
- Sim - respirou fundo - estou sim.
O motorista olhou mais uma vez para o homem à sua frente. Sacou a pistola, rosqueou o silenciador, destravou e atirou. O tiro atingiu bem no meio das testa, como sempre. Levantou-se, acendeu um cigarro, olhou a paisagem por uns instantes e entrou no carro... era hora de voltar para casa.