quarta-feira, 2 de maio de 2007

A trégua

Valdir pegou lentamente Luane no colo, e com todo o carinho lhe abrigou em seu peito. A menina estava quieta, como de costume. Eram duas da manhã... Valdir estava cansado, havia trabalhado duro, mas, nessa hora, pouco importava. Acariciou os cabelos da menina, beijando sua cabeça logo em seguida. Olhou para o quarto... dois anos. A vida se constrói de momentos rápidos... quando vemos já passou. A primeira semana, ainda em sua memória. As noites em claro, os choros... tudo ainda estva fresco em sua memória. O olhar cansado de Tereza, as olheiras... os sorrisos e todas aquelas coisas estúpidas que os adultos fazem perto de uma criança... como poderiam ser tão idiotas? Imaginou Luane vendo tudo e riu... constatando a breguice de ser pai.

Tereza dormia... Valdir fazia questão de deixa-la dormir. Gostava de cuidar da filha... pega-la no colo como agora, segurar sua mãozinha, ficar assim, em silêncio, deixando os gestos falarem por si. O silêncio era algo hipnótico nessas horas... meros segundos, minutos, passando como se fossem horas de descanso acordado. Luane, segurava a mão de Valdir e encostava-se em seu peito. Apenas o som da respiração e dos sons ambientes... nada mais... uma trégua em meio ao caos civilizatório... uma tregua em meio à loucura ao qual chamamos vida...

Valdir sabia. E imaginava que Luane sabia também...

Reflexo na água

Havia tempos que tudo estava tão estranho. Olhar seu reflexo na água já não era a mesma coisa. Poderia parecer monótono aos olhos estranhos, mas não para ele. Qualquer lágrima não é vã, já dizem os sábios, mas até onde a sabedoria é paradoxal? Reflexo na água e uma certeza... Riu em sintônia com sua ironia, desejando uma luz na água. Passou as mãos em seu cabelo, desenhou figuras imaginárias na água por sobre seu rosto, distorcendo toda a imagem. Olhou para o céu, mar azul por sobre seus olhos. Desenhou novamente, distorcendo sua imagem imaginaria refletida no céu. As folhas ceam... outono.

Conversava consigo mesmo, uma conversa íntima, mas formal. Fria, mas humana. Olhando as folhas caírem na água tinha certeza... Riu em sintônia com sua ironia. O sorriso maroto agora brotava em seu rosto enquanto ainda ouvia sua própria voz lhe soprando ao ouvido. Olhos fechados, quietude... calor solar na face... reflexo na água e uma certeza...

As folhas caem... outono...