domingo, 29 de julho de 2007

O olhar

O gotejar da chuva e o vento frio emudeciam qualquer sinal de calor. Pouco sinal de vida ao redor. A estrada encharcada, a lama sob seus pés... a névoa à erguer-se por entre os pinheiros. Olhou a cabana atentamente. Olhou a chuva caindo... o desenho das poças. Afinal estava ali. Passos enterrados na lama e a carruagem para trás.

A cabena velha, quase que como o rascunho dela mesma. Madeira escura, sem vida em si. Adentrou a varanda. Bateu à porta. Silêncio. Bateu novamente. A porta abre. Aquele velho rosto finta-o. Retira o cachimbo da boca e exclama:

- Estás molhado rapaz!
- Assim parece - respondeu de forma suave.
- Entre, entre! Chegue até mais perto de minha lareira enquanto lhe trago uma boa xícara de café com conhaque.
- Obrigado senhor.

Tirou o pesado sobre-tudo. Caminhou para perto da lareira ainda pensando no papel que trazia em seu bolso. Podia sentir o cheiro de sangue... o pulsar.

- Sente-se, não fiquer em pé... aqui está o café...
- Tu sabes porq...
- Não diga nada meu jovem... os olhos podem ser velhos, mas isso não siginifica que não sei observar... apenas sente-se e tome o café... deixe que minha lareira aqueça-o.

Ficou sem palavras, apenas acenou afirmativamente com a cabeça. Sentou-se. O café lhe trazia calor. Ainda preocupava-se.

- Ontem avistei uma matilha de lobos, à dez metros daqui, belíssimos animais. Você já viu um lobo cara a cara, meu jovem?
- Não, nunca senhor.
- Haa... é uma sensação incrível... quando ele lhe fita os olhos com toda a sua frieza canina... quando deixa claro que ele pode matar você quando o quiser.
- Não sei se gostaria de tal experiência...
- Estranho...
- O que?
- Nada... é apenas estranho quando se é velho. Os olhos vêem bem mais do que você imagina.
- Hum... - tocando o papel no bolso.
- Não tenha pressa meu jovem. Tivestes uma dura viagem até aqui e o tempo não está bom. Chame teu cocheiro até aqui que prepararei um jantar.
- Mas senhor, creio que isso não seja devido...
- Creio que não tens escolha... vou preparar o fogão.

Pensou por alguns instantes. O velho tinha razão, com o tempo como estava, não teria como viajar. Resolveu chamar o cocheiro, que adentrou na cabana com um certo receio.

- Tudo bem senhor cocheiro, - disse o velho - és bem vindo em minha humilde casa.
- Obrigado senhor.
- A sopa logo estará pronta.
- Sua cabana está bem conservada senhor - continua o cocheiro.
- Hahaha - ri o velho - deverias aprender a mentir. Hahaha.
- Desculpe...
- Não, tudo bem... não fizestes por mal, assim como também não o fiz... pegue essa caneca de café e conhaque.
- Obrigado!

Continuou impaciente. Aquele papel... o sangue jorrava em sua narinas. Estava ficando difícil lidar com aquele encômodo. Enquanto o velho e o cocheiro conversavam ele apenas ficava em silêncio. Como podia? Aquele senhor estar tão amigável e controlado perante à situação. Servir uma janta e oferecer calor? Seus ombros pesavam.

A sopa foi servida acompanhada de pão e vinho. Mesmo relutante, ele começou a conversar de pouco em pouco, até que ao final do jantar, os três já conversavam normalmente. Algumas horas passam e o tempo não melhora.

- Droga, acho que não poderemos viajar hoje senhor - reclama o cocheiro.
- É o que parece...
- Tudo bem, tenho como abriga-los por essa noite. - emenda o velho.
- Obrigado.

Não tardaram a dormir. Ao menos o velho e o cocheiro. Ele, ao contrário sentia dificuldades em dormir... o encômodo voltara, vazia-o revirar-se. Um peso em sua alma... e o maldito cheiro de sangue... teve momentos difíceis, mas por fim acabou adormecendo.

Uma manhã fria os desperta. Rapidamente após o desjejum, servido com a abundância possível, os hóspedes preparam a partida. O cocheiro despede-se do velho com gratidão e prepara a carruagem, ficando o velho e o jovem sozinhos por um instante. Após uma breve fraqueza, o jovem tira, enfim, o papel do bolso, esticando o braço até o velho.

- Isto realmente é necessário? - pergunta o velho, sem pegar o papel.
- Sim senhor... terminemos isso.

O velho pega o papel com o símbolo do governo impresso. Abre-o. Lê-o. Volta a fecha-lo.

- Sinto muito pelos seus filhos... - educadamente fala o jovem.

O velho segura os ombros do jovem e sem falar nada olha para seus olhos de forma penetrante. Ao olhar para os olhos do velho, ele congela... um pavor começa a tomar conta de seu corpo. O frio olhar do velho deixava claro que este poderia mata-lo se assim o quisesse. Sentia aquele olhar fundo em sua alma... o velho por fim soltou-o.

- Tenha uma boa viagem, meu jovem - adentrando-se na cabana.

Tentou recuperar a respiração... afastando-se da cabana. O ar gélido. Os pinheiros. Ele ainda zonzo. Precisava recuperar-se... ainda teria de entregar muitos papéis.

domingo, 1 de julho de 2007

Interlúdio I

Acariciou lentamente o cabelo de Anna. Deitou-se ao seu lado. Olhou para o céu. Anna abriga-se perto de Mateus, beijando suavemente seu rosto.... olhou pra o céu.

- Sinto uma agonia em mim.... - inicia Mateus
- Eu sei.
- Isso passa?
- Creio que não...
- Quanto tempo?
- Uns 3 meses, não mais.
- O céu está calmo hoje...

Anna beija Mateus abraçando-o com força. Este é o momento, a brisa quente antes da chuva. Céu calmo, azul, límpido... este é o momento. O tempo deveria ser paralizado; e eles ficarem ali pela eternidade, abraçados, colados, unidos.

- Que assim seja! - termina Mateus.

Tudo passa

Amanhece mais uma vez... mais uma vez o mesmo rastro de lembranças deixadas para trás... junto com a promessa de um refúgio... violão, voz... fumaça de cigarros... madrugando morrendo... amanheceu mais uma vez...

Manhã fria... olheira... tremor inquieto de um corpo com calafrios e uma mente desperta. Sombras, meras sombras, nada mais... saudades.... olheiras... violão, voz... mais um cigarro... Tudo passa, então passajm as horas, madrugada morrendo e amanhece mais uma vez.

Outra vez o sonho ecoa lá no fundo... junto com todas as personalidades peregrinas que vagam pelas bordas de um ser.... deitar talvez seja o destino... fechar os olhos... passam as horas, tudo passa.

Saudade do nada.... amanheceu mais uma vez....